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Marcos André Malta Dantas

REFLEXOS DO LUTO NA FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO


REFLEXOS DO LUTO NA FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO

DANTAS, Marcos André Malta[1]

RU 1208843

RESUMO

Durante o exercício da medicina e vivendo em hospitais, médicos têm que conviver com o luto, com a perda de pacientes e de entes queridos. Uma das primeiras frases seria “ele está com Deus”, “ele está no céu”, mas de onde vêm estas colocações? Este revisão tem como objetivo buscar nas correntes filosóficas da idade média, em especial a Patrística, na filosofia de Santo Agostinho, com revisões bibliográficas trazer à luz na origem destas frases. O bispo de Hipoma, ao utilizar conceitos de Platão, mundo sensível e mundo inteligível, nos traz a idéia de céu e terra. Começamos a entender a origem do consolo no luto. Os resultados mostram que o caminho escolhido encontra respaldo nas correntes filosóficas da antiguidade e nas conclusões podemos observar a forte influência da religião Católica, que foi durante muito tempo a dominante no nosso País.

Palavras-chaves: Patrística. Platão. Luto. Céu. Morte.

1 INTRODUÇÃO

Porque ao deparamos com o luto, em Hospitais, nas famílias, nos velórios, frequentemente ouvimos ou falamos “ele esta no céu”?

A idéia de um mundo melhor foi introduzida no nosso pensamento por quem? Ou por quê?

Acreditar num mundo melhor nos conforta, mas temos como ter certeza?

Aprendemos durante o estudo da filosofia a corrente filosófica Patrística, nome dado à filosofia cristã católica dos três primeiros séculos, elaborada por Padres, conhecidos com os Pais da Igreja, dai o nome “Patrística”. Devemos lembrar que as religiões ditas “pagãs” tinham muitos adeptos e existia a necessidade da elaboração doutrinal de “verdades” de fé do cristianismo e sua defesa das heresias.

Agostinho é considerado o maior filósofo da época Patrística. Sua luta se deu na ruptura do maniqueísmo. Na sua conversão entende que o mal seria a ausência do bem e não como os Maniqueístas acreditavam. O Profeta Mani dizia que existe uma briga espiritual entre o bem e o mal. Mas como Deus permitiu a existência do mal? Ele responde que o mal seria a ausência do bem, cria bases para o Calvinismo e outras correntes da Reforma.

Mas a origem da idéia do céu vem com a Bíblia, no seu primeiro Livro – O GENESIS consta: “1. No princípio criou Deus o céu e a terra. 2. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. Essa idéia de céu e terra atinge seu ápice em Santo Agostinho no seu livro “Cidade de Deus”.

A dor da perda de um ente querido, da sua ausência definitiva e a busca por respostas, de como? Por quê? O que vai ocorrer agora? Coloca a família em um estado de depressão, de tristeza, de melancolia. Acreditar num lugar melhor, em uma vida melhor e num possível reencontro, de certa forma conforta e fortalece.

Essa passagem. Estamos tão habituados a acreditar nesta mensagem que muitos nem se dão conta, de onde recebemos esta informação?

Segundo Nietzsche, o homem é o único animal que sabe que vai morrer.

A consciência da mortalidade é algo que teria, porventura, levado não somente à religião e à filosofia, mas também, à ciência, à temporalidade, e enquanto experiência passa a constituir uma dimensão objetivável, conforme bem diagnosticou Heidegger.

Vivendo a mais de 30 anos entre hospitais, pronto-socorro, UPA’s, PA’s, uma turma de medicina da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia – EMESCAM – formados em 1982, se reúne a cada dois anos para trocar experiências e nestas reuniões tratam sobre o Luto e a perda, como enfrentar junto com a família, além da frustação ocasionada pela perda de um paciente, tem-se que lidar com a família.

Essa pesquisa foi realizada via whatsapp e via e-mail. Proposto uma pergunta simples: “Qual a primeira frase que falamos em relação ao óbito?”, a grande maioria escreveu: ”Foi para o céu” ou “Está nos braços de Deus”, mas de onde recebemos isto?

Segundo o professor Adriano Antônio Faria (2017, p. 30), no seu livro “Filosofia da Religião”, onde cita “A filosofia da religião é um ramo da filosofia que investiga as origens e a natureza dos fenômenos religiosos e estuda a influência da religião no comportamento humano e nas sociedades”.

A expressão filosofia da religião começou a ser utilizada no século XIX, por influência de Hegel e se refere a um campo que analisa o conceito de divindade ao longo da história, estuda como Deus é entendido em algumas tradições culturais e religiosas em particular e “tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na existência humana”.

2 O LUTO, A PERDA E A PATRÍSTICA.

Durante a infância recebemos a educação religiosa, nos lares e nas igrejas. Os católicos em particular, a idéia de céu e inferno, da repressão religiosa, judaico-cristã.

Quando nos deparamos com a perda, com o luto, buscamos respostas e a religião dita Cristã, tem uma resposta pronta, aprendemos sem questionar e aceitamos sem duvidar. Mas e a origem?

Inicialmente trata-se do tema proposto, aspectos Filosóficos da Patrística do Luto na atualidade, sobre o aspecto de Santo Agostinho.

Na delimitação do tema tem-se que a perda de um ente querido, leva a procura de respostas e explicações que remete ao pensamento do filósofo Santo Agostinho, com reflexos na atualidade.

Segundo Marilda Emmanuel Novaes Lipp, no seu trabalho sobre Stress.

Onde cita: “O que é stress”? O estresse corresponde a uma relação entre o indivíduo e o meio. Trata-se, portanto, de uma agressão e reação, de uma interação entre a agressão e a resposta, como propôs o médico canadense Hans Selye, o criador da moderna conceituação de estresse.

O estresse fisiológico é uma adaptação normal; quando a resposta é patológica, em indivíduo mal-adaptado, registra-se uma disfunção, que leva a distúrbios transitórios ou a doenças graves, mas, no mínimo agrava as já existentes e pode desencadear aquelas para as quais a pessoa é geneticamente predisposta. No qual se torna um caso médico por excelência. Nestas circunstâncias desenvolve-se a famosa síndrome de adaptação, ou a luta-e-fuga (fight or flight), na expressão do próprio Selye.

Stress é uma reação do organismo que ocorre quando ele precisa lidar com situações que exijam um grande esforço emocional para serem superadas. Quanto mais à situação durar ou quanto mais grave ela for, mais estressada a pessoa pode ficar. Porem há meios de se aprender a lidar com o stress de modo que mesmo nos piores momentos o organismo não entre em colapso.

Que sintomas o stress pode criar? O stress se desenvolve em 04 estágios.

Inicialmente a pessoa entra no processo de stress pelo estágio de alerta. Esta é a fase boa do stress, onde produzimos adrenalina e ficamos cheios de energia e de vigor, prontos para, se necessário, passar a noite em claro ou despender grande quantidade de energia se tivermos que lidar com uma emergência. Durante esta fase, podemos também sentir tensão ou dor muscular, azia, problemas de pele, irritabilidade sem causa aparente, nervosismo, sensibilidade excessiva, ansiedade e inquietação.

Caso o que nos causa stress desapareça, saímos do processo de stress sem seqüelas. Porém, se o estressor continua ou se algo mais acontece para nos desafiar, podemos entrar no estágio de resistência, que significa a etapa em que tentamos resistir ao stress. Nesta fase, dois sintomas mais importantes surgem: Dificuldades com a memória e muito cansaço. Se nosso esforço for suficiente para lidar com a situação, o stress é eliminado e saímos do processo de stress.

O problema maior começa a ocorrer quando não conseguimos resistir ou nos adaptar e nosso organismo começa a sofrer um colapso gradual. Entramos na fase de quase exaustão, onde podem surgir inúmeros problemas.

Como esta muito enraizada a idéia de céu, os profissionais de saúde, utilizam informações dos seus pais e líderes religiosos, para ajudar nas fases de stress.

Pode-se justificar que o tema escolhido remete á uma visão do trauma da perda, do luto, com um embate entre filosofia e religião.

Como metodologia simples, busquei através de contato de um aplicativo, com colegas de turma, maiores informações com os mesmos.

Baseado em conversas com a turma da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - E.S., turma de 1982, observa-se que os médicos, na prática diária, se deparam com familiares em estado depressivo depois da perda de um ente querido, gerando doenças, dentre as mais comuns à depressão. Vale a pena ressaltar que os Clínicos Gerais, os Psiquiatras, os Intensivistas, tem mais contato com essa parte de pacientes com perda.

Durante o curso de graduação em Medicina, o estudante não tem um preparo para lidar com esta situação. Esse trabalho visa explicar essa visão de Céu proposto por Santo Agostinho, ao transformar as ideias de Platão, sobre o mundo das ideias e do sentido. Levando a explicações para o período de luto.

No objetivo geral, vamos descobrir a ligação das idéias de Platão, Santo Agostinho, com o luto. Devemos comprovar com uma revisão bibliográfica e informações com familiares que perderam um ente querido.

Ao analisar a possível conexão da filosofia, em especial da corrente Patrística da idade média, através do pensamento de Santo Agostinho, com implicações até a atualidade com idéia de conforto no momento do LUTO.

Como objetivos específicos, as informações colhidas através de médicos, enfermeiros e familiares, no momento da perda.

Analisar suas aplicações até a atualidade.

Observar seus usos pela classe médica, em especial os Psiquiatras e Clínicos Gerais, ao se depararem com pacientes com história de luto.

2.1 SANTO AGOSTINHO E OUTROS AUTORES NO LUTO

No livro Confissões, Santo Agostinho cita:

Porventura o céu e a terra te contêm, porque os enches? Ou será melhor dizer que os enches, mas que ainda resta alguma parte de ti, já que eles não te podem conter? E onde estenderás isso que sobra de ti, depois de cheios o céu e a terra? Mas serás necessário que sejas contido em algum lugar, tu que conténs todas as coisas, visto que as que enches as ocupas contendo-as? Porque não são os vasos cheios de ti que te tornam estável, já que, quando se quebrarem, tu não te derramarás; e quando te derramas sobre nós, isso não o fazes porque cais, mas porque nos levantas, nem porque te dispersas, mas porque nos recolhes.

Segundo Sigmund Freud, em sua obra “luto e melancolia” (1916-1917, p. 250): “[...] se trata de um trabalho que possibilita a percepção de que o objeto eleito ou perdido não existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto perdido”.

Em outro momento Freud (1916-1917, p. 253) intui que:

As recriminações feitas ao objeto eleito nada mais são que recriminações deslocadas para o eu do próprio sujeito, mostrando claramente que a escolha objetal havia se dado sobre uma base narcísica e por meio de uma identificação também narcísica, isto é, o eu da enlutada confunde-se com o próprio objeto. Assim a sombra do objeto caiu sobre o ego e uma perda objetal se transforma numa perda do ego.

Segundo Santo Agostinho em sua obra confissões: “A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho”. Ainda no capítulo IV de seu livro Confissões, escrito entre os anos de 397 e 398, disponha:

O céu e a terra existem, pois o céu e a terra, e clamam que foram criados, mediante de suas transformações e mudanças. Mas o que não foi criado em sua forma definitiva, e, todavia, existe, nada pode conter que antes já não existisse em sua forma potencial, e nisso consiste a mudança e a variação. Proclamam também, os seres, que não foram criados por si mesmos: “Existimos porque fomos criados. Não existíamos antes, de modo que pudéssemos criar a nós mesmos.” – E essa voz é a voz da própria evidência. És tu, Senhor, quem os criaste. E porque és belo, eles são belos; porque és bom, eles são bons; porque existes, eles existem. Mas tuas obras não são belas, não são boas, não existem de modo perfeito como tu, seu Criador. Comparados contigo, os seres nem são bons, nem belos, nem existem. Isso sabemos, e por isso te rendemos graças; mas nosso saber, comparado com tua ciência, é ignorância.

Temos então implantado no nosso inconsciente, no nosso meio, a idéia de céu e terra. Sendo o Céu o lugar para onde deveríamos ir, após a cessação das nossas funções biológicas.

Quando nos deparamos com a perda de um ente querido, esta idéia agostiniana, de certa forma nos acalenta e nos leva a um processo de aceitação.O Professor Antônio Charles Santiago Almeida (2015, p. 82), em seu livro Filosofia Política, cita:

Se em Platão há uma teoria que retrata dois mundos, isto é, um mundo visível e um não visível, em que o segundo é, segundo o filósofo, o correto, essa teoria funcionou, do ponto de vista teórico, perfeitamente para que Agostinho desenvolvesse sua compreensão de cristianismo com base também nesses dois mundos, céu e terra.

Por outro lado, alguns imaginam que uma realidade exata e racional seja a melhor forma de aceitação da morte, acreditando na salvação exata, como no orfismo, de Orfeu, que se diz ter recebido a revelação de alguns mistérios e confiado a alguns de seus iniciados. Tinham como crença a imortalidade da alma e sua passagem por vários corpos com o objetivo de se purificar, até que pudesse subir aos céus de forma libertadora.

No entanto, a morte não há como ser vista com tamanha precisão e certeza, pois não há qualquer garantia de purificação frente ao livre arbítrio, e da mesma forma, não há exatidão para qualquer afirmação em nenhum outro sentido, pois a fé é que faz surgir o conforto, a compreensão, a aceitação. Tudo relaciona-se a crença, seja ela positiva ou negativa.

2.2 METODOLOGIA QUALITATIVA

Esse estudo tem como base uma pesquisa bibliográfica e análise da aplicação da teoria a casos concretos. Bem como numa pesquisa simples feita por whatszapp e por e-mail da turma de Medicina de 1982, da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia – na cidade de Vitória e no Estado do Espírito Santo. Quando completaram 30 anos de formados, foi enviada a seguinte pergunta: “qual a frase preferida quando nos deparamos com o luto de um paciente de temos que comunicar a família?” Devido à maioria dos participantes serem de origem cristã, foi respondido “Foi para o Céu”.

Baseado neste simples questionamento, como aluno do curso de Filosofia da do Centro Internacional Uninter, fizemos uma ligação com Platão e com a Patrística, na figura do filósofo Santo Agostinho.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Filosofia nasce do espanto, segundo Aristóteles, no seu livro “Metafísica”, e com espanto os médicos vivenciam a cada dia de trabalho a perda de um paciente e o fato de ter que comunicar a família.

As grandes maiorias dos médicos Cristãos utilizam a informação bíblica de Céu, escrita no livro do Genesis, e fortalecido nos livros do Bispo de Hipoma. Mas a ideia nasce com Platão, antes do livro sagrado a Bíblia, quando o filósofo separa nossa vida em dois mundos, o mundo dos erros e o mundo inteligível, no mito da Caverna.

A dificuldade de obter informações, mesmo de médicos, demonstra a dificuldade da pesquisa proposta, apesar de fazer parte de uma conversa informal, mas frequente no dia profissional. Estabelecer esta ligação tornou a pesquisa interessante.

Encerro com uma indagação, que poderia servir para futuras pesquisas ocorrerem: será que somente a frase “está no céu” seria suficiente para consolar a perda? E como seria nas culturas não cristãs? Enfim, o mistério da morte será sempre uma incógnita para todos. O culto de Orfeu ou o Orfismo nos mostra que este pensamento de vida após a morte, a ida espiritual para outro lugar ou lugares, vem de antes de Cristo, vive no nosso inconsciente coletivo. Toma força em Platão e codificado em Santo Agostinho e implantado pela Religião Católica há muitos anos nos praticantes desta religião.

REFERÊNCIAS

A BÍBLIA. Gênesis 1: 1-1. São Paulo: Paulinas, 1995.

AGOSTINHO, Santo. Confissões. [Trad. do latim e prefácio de Lorenzo Mammì]. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

ALLOUCH, Jean. A Erótica do Luto: no tempo da morte seca. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.

ALMEIDA, Antônio Charles Santiago. Filosofia Política. Curitiba: Inter Saberes, 2015.

FARIA, Adriano Antônio. Filosofia da Religião. Curitiba: Inter Saberes, 2017.

FREUD, Sigmund. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Luto e Melancolia. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

LIPP, Marilda E. N. O stress no Brasil: Pesquisas Avançadas. Campinas: Papirus, 2004.

LIPP, Marilda E. N. Mecanismos Neurofisiológicos do Stress: Teoria e Aplicações Clínicas. Campinas: Papirus, 2003.

[1] Aluno do Centro Universitário Internacional UNINTER. Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso. 01 - 2018.

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